xmlns:fb='http://www.facebook.com/2008/fbml' BR - Robótica: Texto super interessante

sexta-feira, 30 de março de 2012

Texto super interessante


As sereias do ensino eletrônico

                                  Paulo Blikstein
                                              Marcelo Knörich Zuffo

Homero foi um grande escritor e uma de suas mais famosas obras vem da Odisséia, quando Ulisses pede para ser amarrado ao mastro de seu navio para poder ouvir os irresistíveis cantos das sereias, sem ser encantado e devorado por elas. Anterior às canetas esferográficas e aos processadores de texto, Homero tocou em uma dessas pulsões fundamentais, que nos aprisiona à nossa precária e apaixonante condição humana.
Quase como Ulisses, muitas profissões foram seduzidas, nos últimos anos, pelas encantantes melodias das novas tecnologias da comunicação e da informação. Nos primeiros anos da década de 90, foram os profissionais da informática e depois os executivos e administradores.
Mais tarde, veio o tempo do jornalismo eletrônico, da eliminação do papel, da personalização da notícia, da entrega em tempo real. Cada um receberia somente as notícias de seu interesse, toda manhã, sem precisar procurá-las por páginas e mais páginas de papel.
Mas... As sereias não brincam. Elas têm fome e finalmente mostraram a que vieram: devoraram, mastigaram, deglutiram sem piedade os web-designers, executivos e jornalistas. Com isto, redescobrimos duramente, algumas coisas que muitos acreditavam ultrapassadas: gostarmos de sair para fazer compras ou sentar para ler um jornal de papel, os “serviços grátis” eram, primordialmente, uma estratégia de marketing e com o amadurecimento da tecnologia e o desaquecimento dos ânimos, percebeu-se que a audiência sem custos era um equivoco técnico.
Mesmo antes de terminar a digestão dos jornalistas, as sereias recomeçaram seus cantos. Encontraram um público numeroso e ávido por coisas novas: os educadores. Nunca se ouviu falar tanto de novas tecnologias para educação e essa prenunciada revolução tecnológica tem unido setores da sociedade que nem sempre caminham juntos: educadores, universidades públicas e privadas, empresas e governo.
Mais afinal onde está a nova educação? Em vez da transmissão unidirecional de informação, valoriza-se cada vez mais a interação e a troca de informação entre professor e aluno. No lugar da reprodução passiva de informações já existentes, deseja-se cada vez mais o estímulo à criatividade dos estudantes. Não ao currículo padronizado, à falta de acesso à educação de qualidade, à educação “bancária”. Sim à pedagogia de projetos, à educação por toda a vida e centrada no aluno.
O que se esperava das novas tecnologias? Que resolvessem todos os problemas de uma vez, sendo que a base de todos eles não é, necessariamente, a ausência de uma determinada tecnologia.
Portanto, não basta introduzir tecnologias – é fundamental pensar em como elas são disponibilizadas, como seu uso pode efetivamente desafiar as estruturas existentes em vez de reforçá-las.
Em uma escola bem equipada em termos tecnológicos ao consultarmos o manual de regras de uso da rede, provavelmente encontraremos mais proibições do que possibilidades.
Tais proibições tem pelo menos três causas: a preponderância da mentalidade de muitos tecnologistas, acostumados aos regulamentos e proibições do ambiente corporativo, a preponderância da mentalidade de muitos dos administradores escolares, acostumados aos regulamentos e proibições dos ambientes escolares e o modelo de disponibilização de equipamentos e tecnologias, em que escolas e professores são meros consumidores desses caros artefatos tecnológicos.
 Em nossas escolas, qual seria o uso mais revolucionário das tecnologias? Sabemos que uma boa parte da essência revolucionária se perde quando as tecnologias são assimiladas, padronizadas, burocratizadas. Entretanto, o principal argumento desse texto é que o computador, as tecnologias digitais e a Internet são revolucionários exatamente porque, sendo matéria-prima digital, multiforme e de relativo baixo custo,  podem ser reinventadas. Podemos ser, ao mesmo tempo, produtores e consumidores. Mais do que isso, as mídias digitais oferecem infinito espaço para experimentações em diferentes níveis de realidade. Seja: programando computador, editando filmes, fazendo robótica, construindo modelos computacionais e elaborando sites na internet.
E o que tudo isso está fazendo em um texto sobre educação a distância? As lições sobre o que ocorre com a tecnologia no ambiente escolar não podem ser esquecidas. Quando qualquer sistema, metodologia ou tecnologia de educação nos imagina apenas como consumidores de algo já mastigado, deglutido e digerido, boa parte de seu poder revolucionário se perdeu. Daí tudo entra nos eixos dos antigos paradigmas, e passamos a pensar em termos das quatro operações: adição de conteúdos, redução de custos, multiplicação de alunos e divisão do número de professores.
Será que governo, empresas, educadores, professores e alunos estão todos na mesma humilde canoa, buscando a transformação da educação e a emancipação do homem? Acredita-se que não. Governos buscam atendimento às pressões sociais por mais educação, empresas buscam novas oportunidades de negócios, escolas buscam se adaptar aos novos tempos, alguns educadores como Paulo Freire, John Dewey e Seymour Papert, são visionários, utopistas, têm projetos para a educação e para a sociedade.
A educação é como um instrumento de libertação, de engrandecimento da condição humana, da descoberta de nossas potencialidades – e da tecnologia como um grande fio condutor deste processo de mudança.
Segundo Lasch o carro não simplesmente acrescentou outro meio de transporte aos existentes, mas conseguiu a sua proeminência a custa dos canais, estradas de ferro, ônibus e carruagens a cavalo, forçando assim a população a depender quase exclusivamente do transporte automóvel. 
Este exemplo pode ser estendido as numerosas tecnologias, como o telefone celular e o correio eletrônico. Como conseqüência do deslumbramento com as novas tecnologias tem-se a aceitação de que sua abundância resolve todos os problemas.
A educação conheceu, no passado: a massificação. Agora, as ditas “novas tecnologias” prometem uma educação personalizada, entregue ao gosto do freguês, quase sem custo, no conforto do lar. A promessa de ampliação do sistema de educação superior, uma recorrente e justa demanda da sociedade, não é nova. O acesso à educação superior é supostamente um dos caminhos clássicos de mobilidade social.
Segundo Noble: “Por trás da mudança, e camuflada por ela, há outra: a comercialização da educação superior. Aqui, como em qualquer lugar, a tecnologia não é nada além de um veículo e um disfarce para desarmar as pessoas.”
Não podemos afirmar que a educação presencial funciona, mas também não podemos considerar a educação a distância como um milagre multiplicativo que vai salvar a pátria.
Afinal, que cantem as sereias: a única educação que faz sentido é a que nos faz mudar o mundo.

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